Alegações de Violação de Direitos Autorais
A Meta Platforms Inc., o gigante tecnológico, encontra-se envolvida numa batalha legal com editoras e autores franceses. O cerne da disputa reside em acusações de violação de direitos autorais. Os queixosos alegam que a Meta utilizou ilicitamente as suas obras literárias para treinar o seu modelo de inteligência artificial (IA) generativa, tudo sem garantir a autorização necessária.
Os Queixosos e as Suas Queixas
A ação judicial foi apresentada num tribunal de Paris, um local especificamente dedicado a questões de propriedade intelectual. Esta ação legal foi iniciada por uma coligação composta pela SNE, a associação comercial que representa editoras francesas proeminentes como a Hachette e a Editis, juntamente com a associação de autores SGDL e o sindicato de escritores SNAC. Estas organizações representam coletivamente um segmento substancial do panorama literário francês.
Durante uma conferência de imprensa, o grupo revelou que tinha reunido provas convincentes que apontavam para violações “massivas” de direitos autorais. Vincent Montagne, presidente da SNE, afirmou que já tinham tentado dialogar com a Meta sobre esta questão, mas os seus esforços revelaram-se infrutíferos. Além disso, a Comissão Europeia foi notificada, com os queixosos a alegar que as ações da Meta estão em contravenção direta dos regulamentos da UE que regem a IA.
O Cerne da Disputa: Treino de IA e Lei de Direitos Autorais
No centro deste confronto legal está a prática de treinar modelos de linguagem de IA generativa. Modelos como o Llama da Meta e o ChatGPT da OpenAI são treinados em grandes quantidades de dados de texto, abrangendo uma ampla gama de fontes, incluindo livros e artigos. Esta prática desencadeou uma onda global de ações judiciais, à medida que os editores de conteúdo afirmam que usar a sua propriedade intelectual para treinar modelos de IA é semelhante a roubo.
As empresas que desenvolvem estes modelos de IA têm sido geralmente reticentes em divulgar as fontes precisas dos seus dados de treino. No entanto, têm frequentemente invocado a doutrina de ‘fair use’ ao abrigo da lei de direitos autorais dos EUA como defesa.
Uma Tendência Global de Desafios Legais
A ação judicial contra a Meta não é um incidente isolado. Faz parte de uma tendência mais ampla de desafios legais contra empresas de IA sobre o uso de material protegido por direitos autorais para fins de treino.
Aqui estão alguns outros casos notáveis:
- Em dezembro de 2023, o The New York Times iniciou um processo judicial contra a OpenAI e a Microsoft Corp., alegando o uso não autorizado dos seus artigos para treinar modelos de linguagem extensos.
- Em abril de 2024, um grupo de autores apresentou uma ação coletiva contra a Anthropic, uma empresa apoiada pela Amazon.com Inc. Os autores alegaram que os seus livros foram usados para treinar o modelo de IA da Anthropic sem o seu consentimento.
- Editores de livros indianos entraram com uma ação judicial semelhante contra a OpenAI em janeiro, destacando a natureza global desta questão legal.
Aprofundando os Argumentos Jurídicos
Os argumentos jurídicos nestes casos dependem frequentemente da interpretação da lei de direitos autorais e da aplicabilidade da doutrina de ‘fair use’. A lei de direitos autorais concede direitos exclusivos aos criadores de obras originais, incluindo o direito de reproduzir, distribuir e criar obras derivadas. A doutrina de ‘fair use’, no entanto, prevê certas exceções a estes direitos exclusivos, permitindo o uso limitado de material protegido por direitos autorais para fins como crítica, comentário, reportagem de notícias, ensino, bolsa de estudos ou pesquisa.
A questão central é se o uso de material protegido por direitos autorais para treinar modelos de IA se enquadra no âmbito do ‘fair use’. As empresas de IA argumentam que o seu uso é transformador, o que significa que adiciona algo novo e diferente à obra original, e que não prejudica o mercado da obra original. Os editores de conteúdo, por outro lado, argumentam que o uso não é transformador, que é de natureza comercial e que pode potencialmente prejudicar o mercado das suas obras.
As Potenciais Ramificações
O resultado destas batalhas legais poderá ter ramificações significativas para o futuro do desenvolvimento da IA e das indústrias criativas. Se os tribunais decidirem a favor dos editores de conteúdo, isso poderá forçar as empresas de IA a procurar licenças para o uso de material protegido por direitos autorais, potencialmente aumentando o custo de desenvolvimento de modelos de IA. Poderá também levar a uma maior transparência em relação às fontes de dados de treino.
Por outro lado, se os tribunais decidirem a favor das empresas de IA, isso poderá encorajá-las a continuar a usar material protegido por direitos autorais sem permissão explícita, potencialmente levando a mais desafios legais e debates éticos.
O Contexto Mais Amplo: IA, Ética e Propriedade Intelectual
Esta disputa legal não se trata apenas de lei de direitos autorais; também aborda considerações éticas mais amplas em torno do desenvolvimento da IA. Estão a ser levantadas questões sobre a justiça de usar material protegido por direitos autorais sem compensação para treinar modelos de IA que poderiam potencialmente gerar lucros significativos para as empresas que os desenvolvem.
Existem também preocupações sobre o potencial de o conteúdo gerado por IA deslocar os criadores humanos, levando a perdas de empregos e a um declínio na qualidade e diversidade das obras criativas.
Expandindo a Defesa do ‘Fair Use’
A defesa do ‘fair use’, frequentemente invocada pelas empresas de IA, é uma doutrina jurídica complexa com um teste de quatro fatores usado pelos tribunais dos EUA para determinar a sua aplicabilidade:
O Propósito e Caráter do Uso: Este fator considera se o uso é comercial ou não comercial, transformador ou derivativo. Usos transformadores, que adicionam algo novo e diferente à obra original, são mais propensos a serem considerados ‘fair use’.
A Natureza da Obra Protegida por Direitos Autorais: Este fator considera se a obra protegida por direitos autorais é factual ou criativa. Obras factuais, como artigos de notícias, geralmente recebem menos proteção do que obras criativas, como romances.
A Quantidade e Substancialidade da Porção Usada: Este fator considera quanto da obra protegida por direitos autorais foi usada e se a porção usada foi o “coração” da obra. Usar uma pequena porção de uma obra é mais propenso a ser considerado ‘fair use’ do que usar uma grande porção ou a parte mais importante da obra.
O Efeito do Uso Sobre o Mercado Potencial ou Valor da Obra Protegida por Direitos Autorais: Este fator considera se o uso da obra protegida por direitos autorais prejudica o mercado da obra original ou diminui o seu valor. Usos que não prejudicam o mercado da obra original são mais propensos a serem considerados ‘fair use’.
A aplicação destes fatores ao treino de IA é uma questão legal nova, e os tribunais ainda estão a lidar com a forma de interpretá-los neste contexto.
A Perspectiva Europeia
A ação judicial em França também destaca as diferenças na lei de direitos autorais e na regulamentação da IA entre os Estados Unidos e a União Europeia. A UE tem adotado uma abordagem mais proativa para regular a IA, com o objetivo de garantir que os sistemas de IA sejam desenvolvidos e usados de uma forma que respeite os direitos fundamentais, incluindo os direitos autorais.
O Ato de IA da UE, que está atualmente a ser finalizado, inclui disposições que podem impactar o uso de material protegido por direitos autorais para treino de IA. Estas disposições podem exigir que as empresas de IA obtenham consentimento dos detentores de direitos antes de usar as suas obras para fins de treino, ou podem estabelecer um sistema de remuneração pelo uso de material protegido por direitos autorais.
Diferentes Perspectivas das Partes Interessadas
Esta questão envolve uma variedade de partes interessadas, cada uma com as suas próprias perspetivas e interesses:
- Criadores de Conteúdo: Autores, editores e outros criadores de conteúdo estão preocupados em proteger os seus direitos de propriedade intelectual e garantir que sejam justamente compensados pelo uso das suas obras.
- Empresas de IA: As empresas de IA procuram desenvolver modelos de IA inovadores e argumentam que o acesso a grandes quantidades de dados, incluindo material protegido por direitos autorais, é essencial para este propósito.
- O Público: O público tem interesse tanto no desenvolvimento de tecnologias de IA benéficas quanto na proteção de obras criativas.
- Profissionais do Direito: Advogados e académicos do direito estão a lidar com as complexas questões legais levantadas pela IA e pela lei de direitos autorais.
- Reguladores: Governos e órgãos reguladores procuram encontrar um equilíbrio entre fomentar a inovação e proteger os direitos dos criadores.
Potenciais Desenvolvimentos Futuros
O cenário jurídico em torno da IA e dos direitos autorais está a evoluir rapidamente. É provável que vejamos mais desafios legais e desenvolvimentos regulatórios nos próximos anos. Alguns possíveis desenvolvimentos futuros incluem:
- Nova Legislação: Os governos podem promulgar nova legislação abordando especificamente o uso de material protegido por direitos autorais para treino de IA.
- Decisões Judiciais: Os tribunais continuarão a emitir decisões em casos envolvendo IA e direitos autorais, fornecendo mais orientação sobre a interpretação das leis existentes.
- Padrões da Indústria: As empresas de IA e os criadores de conteúdo podem desenvolver padrões da indústria ou melhores práticas para o uso de material protegido por direitos autorais no treino de IA.
- Soluções Tecnológicas: Soluções tecnológicas, como marca d’água ou gestão de direitos digitais, podem ser desenvolvidas para ajudar a rastrear e gerir o uso de material protegido por direitos autorais no treino de IA.
- Acordos de Licenciamento: As empresas de IA podem começar a garantir acordos de licenciamento dos criadores de conteúdo antes de usar o conteúdo para treinar os seus modelos.
A batalha legal entre a Meta e as editoras francesas é um desenvolvimento significativo no debate em curso sobre IA e direitos autorais. O resultado deste caso, e de outros semelhantes, moldará o futuro do desenvolvimento da IA e das indústrias criativas nos próximos anos. As complexidades do ‘fair use’, as diferenças legais internacionais e as implicações éticas mais amplas continuarão a ser debatidas e refinadas à medida que a tecnologia de IA avança.