Manus: Fogo de Palha ou Futuro da IA Chinesa?

A Anatomia do Hype: Desconstruindo o Manus

O surgimento do Manus não ocorreu no vácuo. Relatos indicam que a plataforma não é uma criação do zero, mas sim uma tapeçaria intrincada tecida a partir de modelos de IA existentes e ajustados. Alegadamente, aproveita as capacidades de modelos como o Claude da Anthropic e o Qwen da Alibaba, utilizando-os para tarefas que vão desde a geração de relatórios de pesquisa até à análise complexa de documentos financeiros.

No entanto, a The Butterfly Effect, a empresa chinesa por trás do Manus, pinta um quadro muito mais ambicioso no seu website. A plataforma é apresentada como sendo capaz de feitos tão diversos como a aquisição de imóveis e a programação de videojogos – alegações que, à primeira vista, parecem beirar o fantástico.

Alegações Ousadas e Vídeos Virais: O Poder da Percepção

Yichao ‘Peak’ Ji, um dos líderes de pesquisa do Manus, alimentou ainda mais o hype num vídeo viral no X (anteriormente Twitter). Ele posicionou o Manus como uma alternativa superior às ferramentas de agentes existentes, incluindo a deep research da OpenAI e a Operator. Ji afirmou que o Manus supera a deep research no GAIA, um benchmark amplamente utilizado para avaliar assistentes de IA gerais. Este benchmark avalia a capacidade de uma IA para realizar tarefas do mundo real, navegando na web, interagindo com software e muito mais.

‘[Manus] não é apenas mais um chatbot ou *workflow’’, proclamou Ji no vídeo. ‘É um agente completamente autónomo que preenche a lacuna entre a conceção e a execução […]. Vemos isto como o próximo paradigma da colaboração homem-máquina.’ Estas são alegações ousadas, de facto, e contribuíram significativamente para a rápida ascensão da plataforma à fama viral.

Verificação da Realidade: Experiências dos Utilizadores Pintam um Quadro Diferente

Enquanto os arquitetos do Manus e algumas vozes influentes cantaram os seus louvores, as primeiras experiências dos utilizadores contam uma história menos lisonjeira. Relatos de falhas, limitações e erros diretos começaram a surgir, lançando uma sombra de dúvida sobre as supostas capacidades da plataforma.

Alexander Doria, cofundador da startup de IA Pleias, partilhou a sua experiência, que não foi nada estelar, com o Manus no X. Ele encontrou uma frustrante enxurrada de mensagens de erro e loops infinitos durante os seus testes. Outros utilizadores ecoaram estas preocupações, apontando a propensão do Manus para erros factuais, as suas práticas de citação inconsistentes e a sua tendência para ignorar informações prontamente disponíveis online.

Encontros Pessoais: Um Relato em Primeira Mão da Frustração

As minhas próprias tentativasde testar o Manus produziram resultados igualmente dececionantes. Comecei com um pedido aparentemente simples: pedir um sandwich de frango frito de um restaurante fast food altamente classificado dentro do meu raio de entrega. Após uma espera de dez minutos, a plataforma crashou. Uma segunda tentativa produziu um item do menu que correspondia aos meus critérios, mas o Manus provou ser incapaz de concluir o pedido ou até mesmo fornecer um link de checkout.

Sem me deixar abater, encarreguei o Manus de reservar uma mesa para um num restaurante próximo. Novamente, o fracasso ocorreu após alguns minutos. Finalmente, desafiei a plataforma a construir um jogo de luta inspirado em Naruto. Após meia hora de processamento, lançou um erro, terminando efetivamente a minha experimentação.

A Resposta da Empresa: Reconhecendo as Dores de Crescimento

Um porta-voz do Manus, numa declaração fornecida à TechCrunch, reconheceu as limitações atuais da plataforma:

‘Como uma equipa pequena, o nosso foco é continuar a melhorar o Manus e criar agentes de IA que realmente ajudem os utilizadores a resolver problemas […]. O objetivo principal da atual versão beta fechada é testar sob stress várias partes do sistema e identificar problemas. Agradecemos profundamente os insights valiosos partilhados por todos.’

Esta declaração, embora reconheça os problemas, também destaca a natureza de acesso antecipado da plataforma. Sugere que a versão atual é mais um teste de stress do que um produto polido pronto para adoção generalizada.

O Ciclo do Hype: Exclusividade, Desinformação e Orgulho Nacional

Se o Manus é, no seu estado atual, comprovadamente falho, por que razão atraiu tanta atenção? Vários fatores contribuíram para este fenómeno:

  • Exclusividade: A disponibilidade limitada de convites criou uma aura de exclusividade, aumentando a procura e a curiosidade.
  • Buzz da Mídia: Os meios de comunicação chineses foram rápidos em defender o Manus como um avanço significativo na IA, com publicações como o QQ News a saudá-lo como ‘o orgulho dos produtos nacionais’.
  • Amplificação nas Redes Sociais: Os influenciadores de IA nas redes sociais desempenharam um papel significativo na divulgação, por vezes, de informações imprecisas sobre as capacidades do Manus. Um vídeo amplamente divulgado, supostamente mostrando o Manus a interagir perfeitamente em vários aplicativos de smartphone, foi posteriormente confirmado por Ji como sendo uma deturpação.
  • Comparações com o DeepSeek: Algumas contas influentes de IA no X fizeram comparações entre o Manus e o DeepSeek, outra empresa chinesa de IA. Estas comparações, no entanto, não são totalmente precisas. Ao contrário do DeepSeek, a The Butterfly Effect não desenvolveu nenhum modelo proprietário. Além disso, enquanto o DeepSeek tornou muitas das suas tecnologias open-source, o Manus permanece, por enquanto, um sistema fechado.

Uma Pitada de Sal: Acesso Antecipado e Potencial Futuro

É crucial reiterar que o Manus está atualmente numa fase muito inicial de desenvolvimento. A The Butterfly Effect afirma que está a trabalhar ativamente para escalar a capacidade de computação e resolver os problemas relatados. No entanto, tal como está, o Manus serve como um exemplo potente de hype a ultrapassar a realidade tecnológica. Resta saber se a plataforma pode evoluir para atender às elevadas expectativas que estabeleceu para si mesma. O potencial está, sem dúvida, lá, mas o caminho para realizar esse potencial parece estar repleto de desafios. A iteração atual está muito longe do agente autónomo e perfeito retratado em vídeos virais e materiais promocionais. A lacuna entre a aspiração e a execução permanece substancial.